Um dia perguntaste-me o que é que eu queria ser quando fosse grande. Ao que eu respondi que queria ser professora. E não fui. Escolhi a medicina porque queria salvar vidas. E hoje sou médica e tento salvar vidas à minha maneira. Não escolhi uma especialidade onde o dia-a-dia seja salvar pelo menos uma vida. Escolhi algo mais "calmo" como a reabilitação. Trato doentes cuja vida já foi salva por outros e agora resta-me a mim tentar que eles a vivam e não se limitem a sobreviver apenas. Resta-me dar o meu melhor para reabilitar estas pessoas não só fisicamente como psicologicamente. Dar o meu melhor sorriso pela manhã e mostrar-lhes que não devem nem podem desistir. É fácil? Não! Mas também não é impossível. E é isso que eu quero que essas pessoas percebam. Quero que acreditem que podem ter um futuro melhor e feliz. Não que vão ser felizes para sempre porque isso só nos contos de fada. Mas uma vida diferente da que tinham antes não significa que seja pior. Será apenas diferente.
Há pouco tempo uma das minhas "doentinhas" de estimação virou-se para mim, numa altura em que lhe estava a dizer para acreditar que ia conseguir, e disse-me: "tu não compreendes"! É verdade não compreendo mesmo. Não estou a viver a vida dela, nem o sofrimento por pensar no que tinha e já não tem. E nem tento mostrar que sei o que isso é, porque não faço a mínima ideia. Tento apenas fazer o melhor que sei e torcer para que hajam melhorias no quadro clínico, ou que mesmo não havendo possam ter qualidade de vida.
Confesso que me custa muitas vezes, ver pessoas cuja vida "parou" de repente e decidiu dar uma volta de 180 graus. Que me custa ouvi-las dizer que se vão esforçar muito porque querem é andar, quando eu sei que só com um milagre isso vai acontecer. Que me custa ver crianças que deviam estar em casa a brincar mas que estão presas a uma cadeira de rodas. Que me custa ver jovens desanimados porque acham que já nada vai mudar. Custa-me é verdade, mas por outro lado fico contente por poder fazer parte das suas vidas neste momento tão difícil e poder ajudar nem que seja só um pouquinho. Isso enche-me o coração de alegria. O coração que fica ainda mais cheio quando à data de alta olho para um doente que entrou acamado e sai a andar. Ou um doente que achava que agora já não fazia sentido viver e que sai com uma esperança renovada. É bom, muito bom ver tudo isso.
Perdeu-se uma professora, ganhou-se uma médica. Boa ou má isso não sei, só os meus doentinhos o podem dizer. Pelo menos sei que me esforço para ser um pouquinho melhor todos os dias. Sei que o caminho é longo e que ainda tenho muito para aprender. Aprender com os melhores professores, os meus doentes.
Se hoje me perguntares se fiz a escolha certa, confesso que às vezes tenho dúvidas, que fraquejo por achar que não sei tudo e que não posso ajudar. Que penso que poderia ter escolhido uma profissão mais fácil e que não me desse tantas dores de cabeça. Mas depois vem um novo dia e vejo que sim, que não me via a fazer outra coisa qualquer! :)
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